sexta-feira, 19 de junho de 2009

A LEMBRANÇA MALDITA QUE LULA DEIXARÁ ÀS FUTURAS GERAÇÕES

A LEMBRANÇA MALDITA QUE LULA DEIXARÁ ÀS FUTURAS GERAÇÕES

Antes de qualquer outra palavra, preciso explicar que, apesar do título acima, este texto não pretende transmitir pessimismo, pelo contrário. A partir de uma avaliação crítica do legado que os oito anos (2003-2010) de governo Lula irão deixar para o futuro do nosso país, minha intenção é justamente refletir essa fase histórica como mais uma experiência política acumulada pelo povo brasileiro, cuja saga - parece-me - tem sido sofrer a permanente e inevitável desconstrução de falsos sonhos incutidos pelos que sempre estiveram no poder para, nisso, realizar o seu lento aprendizado e maturação política na direção da construção de um verdadeiro e profundo projeto libertador para o país bem como para a América Latina e Central.

Minha posição é que, apesar dos desertores e traidores que sempre deixaram marcas vergonhosas e estragos na longa história da humanidade, o sonho e a luta por um mundo melhor continua sendo os mesmos, erguidos e se consolidando sempre através dos inúmeros protagonistas anônimos que “fermentam a massa”, e que são os melhores homens e mulheres produzidos pela humanidade. Um desses foi Dom Helder Câmara que costumava intitular os verdadeiros heróis da humanidade como “minorias abraâmicas” em referência à grande esperança que Abraão do Antigo Testamento nutria - contra todas as evidências e dificuldades (“contra toda esperança”, como dizia São Paulo) - que por suas mãos o “povo escolhido” estaria fadado a nascer.
O governo Lula certamente conseguirá diferenciar-se dos seus antecessores, como falam seus entusiastas. Mas não pelo que alegam, ou seja, pelos seus tão propalados “méritos políticos“ de ter supostamente “invertido prioridades”. Na verdade, essa política forjada pelo governo em torno do fortíssimo apelo ao assistencialismo e ao personalismo somente se construiu para facilitar-lhe o cumprimento de todos os seus compromissos maiores firmados com os poderosos que o colocaram no poder na condição expressa de servi-los. Portanto, mérito ou novidade nenhuma nessa estratégia mesquinha adotada que só fez requentar e reproduzir a velha prática padrão das tradicionais direitas conservadoras do país responsáveis por criar a situação caótica que nos encontramos.

A marca real (não de realeza) que esse governo deixará em comparação aos outros anteriores vem de outro fator: das condições favoráveis que a presente conjuntura lhe proporcionou para que pudesse assumir “novos” papéis dentro da nova ordem econômica estabelecida para os países da América Latina e Central.

Lula, para o seu deleite eleitoral, pegou um país realmente “preparado para avançar”, como costuma dizer em seus discursos. Para avançar, sim, mas na direção da fase pós-neoliberal cuja hegemonia do capital financeiro se vem fazendo absoluta. A fase que passou, excelentemente executada até as últimas consequências pelos seus antecessores, resultou na completa destruição do pouco que ainda restava do país: patrimônios históricos nacionais, doados; direitos trabalhistas e previdenciários duramente conquistados, retirados; o parque industrial de infra-estrutura, sucateado; serviços públicos privatizados; etc. e no seu lugar impôs-se o endividamento interno monstruoso (R$ 2 tri); o desemprego estrutural (30% da população econômica ativa); o engessamento e o atrelamento do movimento político-social ao Estado (vide a CUT); crescimento brutal do desmatamento e poluição ambiental em favor do agro-negócio e do latifúndio; etc, tudo isso para abrir frente à nova etapa do domínio do capital.

A fase atual, ao contrário da anterior, já não se pode definir mais como um “projeto” político-ideológico mas sim como a instauração definitiva de um novo modelo de organização total da sociedade que deverá imperar por um bom tempo, em que pesem todas as crises que por ele já estão sendo provocadas. Lula, portanto, vive o conforto de poder fingir que está gerindo o Estado com toda “competência” e “resistindo à política neoliberal” quando, na verdade, já não mais existe Estado algum para cuidar. Atua, com grande performance teatral, semelhante a uma criança que finge ser pai de seus bonecos. Em uma palavra, na prática, Lula e seus aliados não têm feito outra coisa a não “ser seguir a cartilha”. E nisso até podemos admitir que o fazem muito bem, ultrapassando inclusive as expectativas.

Enfim, ao ter inaugurado esses “novos tristes tempos”, Lula ganhou a rara chance de deixar a sua impressão digital na história do país. E essa marca, de fato, será lembrada pelas futuras gerações, visto que, como diz o ditado popular, “a primeira impressão é que fica”. Mas, será um lembrança maldita de alguém que teve tudo nas mãos para ajudar a sociedade a erguer-se em sua auto-estima e a lutar pelo resgate de sua soberania e identidade, mas que preferiu traí-la covardemente em troco de poder e benesses para si e seu grupinho.

Rinaldo Martins de Oliveira
18/06/09

SOBRE A FÉ ANTROPOLÓGICA

“Graças à síntese entre a invisibilidade dos resultados de nossa própria história e a relativa visibilidade dos resultados da grande história humana, a atividade histórica continua sendo uma promessa pela qual valea pena apostar, numa esperança feita de paciente responsabilidade”.

Juan Luiz Segundo.

Este é um parágrafo do excelente livro “A história perdida e recuperada deJesus Cristo”. A passagem é em análise do cap. 8. de Paulo aos Romanos,onde está o seu pensamento mais profundo. Para JL Segundo, Paulo ali faz um esforço para interpretar a Ressurreição de Jesus com uma clave antropológica e não teológica/religiosa, portanto cabível a todos os homens. Inclusive, essa clave antropológica tanto veio influenciar os próprios evangelhos que lhes possibilitou formular uma outra clave - a clave política - para a interpretação da vida de Jesus (o seu embate com os fariseus represente claramente esta clave interpretativa).

A Ressurreição de Cristo representa, para Paulo, o mesmo que a Ressurreição Universal de todos os homens. Paulo, inclusive, dá mais importância à essa última ressurreição do que a do próprio Jesus. Em Rm8,24-25 ele fala: “Esperança que se vê não é esperança, porque, para que esperaria quem já vê? Mas se esperamos o que não vemos, anelamos com paciência”. Ele quer dizer que a Ressurreição de Jesus não é prova, em si mesma, da vitória do bem contra o mal, mas sim sinal de que estamos no caminho certo quando esperamos ativamente que essa vitória um dia venha a acontecer definitivamente. Ou seja, a esperança na ressurreição não é exclusiva só de quem acredita em Deus, mas mérito de todos os homens que acreditam na capacidade do homem e da humanidade de se auto-superar em direção à sua perfeição (o comunismo de Marx, que foi ateu, não seria a expressão dessa fé antropológica?).

Nesse aspecto antropológico proposto por Paulo, a doutrina cristã se iguala à doutrina budista/hinduísta uma vez que todas atribuem aos homens a possibilidade de atingir, em vida e aqui na terra, a perfeição. O Espírito (que se traduz de forma variada) serve para dar forças aos homens para essa construção do que Jesus denominou Reino de Deus.

Rinaldo Martins de Olivera

19/06/09.

domingo, 7 de junho de 2009

O ATUAL MODELO DO HIPER-INDIVIDUALISMO E A CULTURA DO HEDONISMO ALIMENTANDO O FALSO SONHO DE FELICIDADE

A atual fase histórica em que as nossas sociedades do mundo inteiro atravessam exige dos homens e mulheres de bem, preocupados com a realidade de injustiça, pobreza e miséria das massas e dispostos a colaborar na luta pela sua supressão, uma análise cuidadosa e profunda dos novos instrumentais de controle e alienação utilizados pelos dominantes. Isto para que nossos atos políticos não acabem em práticas não só ineficazes nos seus propósitos almejados como também colaboradoras dessa situação geral caótica e opressiva.

Trata-se de entender que a partir da década de 70 foi introduzido nas sociedades dos países centrais, alcançando, a partir da década de 80, também os países “periféricos”, um modelo de comportamento de massas calcado na lógica do chamado hiper-individualismo.

Todas as estruturas de poder e controle social, nos seus mínimos detalhes, estão agora plenamente voltadas para a super-valorização, ou mais exatamente, para a exaustiva exploração do mundo subjetivo dos indivíduos em detrimento da vida compartilhada em sociedade.

Aproveitando-se justamente do atual momento, qual alguns teóricos denominam de pós-modernidade (seja em ruptura ou em aprofundamento da modernidade iniciada no século XIX), quando vê-se aflorar novamente um grande pulsar do espírito humano à procura da experimentação de novas dimensões existenciais, muitas até então desconhecidas e/ou reprimidas pelos tradicionais modelos culturais anteriores, os grandes grupos dominantes têm conseguido, com grande desenvoltura, vender às massas falsos sonhos de libertação de sempre, em torno da imposição de pseudo-novos valores.

A novidade mesmo não está nos atuais valores em si disseminados mas na capacidade que adquiriram de articular um novo estilo de vida alcançando TODAS as estratificações sociais, ou seja, não só os segmentos das classes mais abastadas (alta e média) como também agora os da classe pobre e popular. Cada uma dessas classes - e dentro de cada classe, os seus sub-grupos - ainda que de forma diferenciada, tendem a adotar um único padrão de comportamento centrado no valor do hedonismo que se estabelece como uma própria cultura social a qual toda a vida contemporânea, como “exigência dos novos tempos”, deve estar submetida e sintonizada para galgar o seu sentido existencial e a, conseqüente, felicidade.

Colocada no patamar de fim máximo, a conquista e usufruto do prazer (o consumismo é um dos meios, certamente o mais recorrido) torna-se a meta principal de cada indivíduo para o qual vale todo o esforço. Deste modo, a procura da construção da sua dignidade enquanto ser humano (que inclui o prazer, mas não se esgota nele) fica simplesmente relegada ao esquecimento, como se percebe explicitamente hoje em dia.

É, enfim, através desta redução, inversão e deturpação dos verdadeiros valores existenciais que então se pode transformar os indivíduos em seres passivos, dóceis às imposições do capital e indiferentes em relação a tudo que se refira à sua própria essência humana, que está fundamentalmente no exercício da Liberdade profunda para o qual todos somos vocacionados a viver.

A máxima dos ideólogos clássicos do poder: “dividir para dominar”, foi agora, com o modelo comportamental do hiper-individualismo e com a cultura social do hedonismo, levada às suas últimas conseqüências. Trata-se da atomização total dos indivíduos em seus mundos internos convertendo o mundo social e as relações inter-pessoais em mero meio a serviço de seus próprios interesses privados.

Dentro desse quadro cabe-nos entender que lutar hoje pelo respeito à dignidade humana nas nossas sociedades representa, mais do que nunca, combater os (anti)valores nelas predominantes que têm remetido a esmagadora maioria das pessoas a procurarem a felicidade onde não encontrarão.

Rio de Janeiro, 06 de junho de 2009.

RINALDO MARTINS DE OLIVEIRA

sexta-feira, 5 de junho de 2009

TRAGÉDIA NO VOO 447: SÓ A DOR DO RICO SAI NOS JORNAIS

Toda tragédia é uma lástima e lembra-nos, da forma mais dura, o quão somos frágeis e efêmeros. Acontece que quando ela ocorre com pessoas das classes abastadas, como recentemente se deu no vôo 447, cujo avião com 228 passageiros em viagem do Rio para Paris caiu no oceano Atlântico, a mídia transforma o fato em algo terrível, valendo dias de cobertura total e detalhada, elevando ao limite a consternação nacional e mobilizando, conseqüentemente, as autoridades do país inteiro.

Obviamente não estarei aqui minimizando a dor das famílias das vítimas e também a necessidade do devido esclarecimento público sobre o acidente. Mas é preciso perguntar: por que tamanho alarido e tanto envolvimento emocional de massa (é só ir às ruas para se perceber isso) em torno da queda do avião? Ou será que possa existir alguém, incluindo os passageiros e seus familiares, que nunca tenha imaginado a possibilidade de falha técnica de uma máquina sobrevoando há 10 km do nível do mar e numa velocidade de cerca de 500km/h ou mesmo de falha humana dos seus pilotos?

Na verdade, os meios de comunicação de massa não estão nada realmente sensíveis, como aparentam, com a situação desesperadora dos familiares das vítimas, pelo contrário: exploram friamente episódios tristes, como esse, como mais uma oportunidade de sensacionalismo para "vender matérias" e também para manter as massas desviadas e distantes dos assuntos que realmente atingem e afligem diretamente a todos. Essa manipulação do sentimento coletivo serve ainda para transmitir e reforçar a concepção de que as classes abastadas (rica, alta e média), justamente pela sua condição econômica, valem mais do que a classe pobre, aplicando-se essa mesma lógica para os indivíduos que as compõem. É sobre esse último assunto que venho refletir.

A pergunta é: por que as diversas tragédias sofridas pelos pobres diariamente não são tratadas pela mídia com o mesmo teor de importância e gravidade? Essas, inclusive, normalmente sequer são oriundas de fatalidades e sim de fatores político-sociais absolutamente conhecidos por todos, sobretudo, pelas autoridades responsáveis que poderiam perfeitamente evitá-las caso houvesse real interesse.

Ora, essa diferenciação no tratamento da tragédia sofrida pelo pobre e a sofrida pelo rico é claramente de fundo ideológico com alta dosagem fascista: considera-se que a vida do pobre, em diversos aspectos, já é mesmo uma tragédia permanente e inevitável, de modo que uma eventual ocorrência trágica representa nada mais do que mais um infortúnio em sua vida, não carecendo, portanto, de comoção ou preocupação social. Mesmo que tenha todos os ingredientes para o sensacionalismo tão procurado pela mídia, ainda sim, curiosamente, a tragédia sofrida pelo pobre nunca é explorada. Já uma violência ou um desastre, acometido contra o rico, representa uma verdadeira calamidade, um acinte, um absurdo ocorrido contra a sua dignidade humana.

Deste modo é que se vai legalizando e legitimando a existência das estratificações sociais e as injustiças estruturais tão absurdas e desumanas contra os pobres. Essas, sim, provocam as maiores tragédias no país e no mundo. Mas, quem se importa?


Rio, 05/06/09

Rinaldo Martins de Oliveira