sexta-feira, 5 de junho de 2009

TRAGÉDIA NO VOO 447: SÓ A DOR DO RICO SAI NOS JORNAIS

Toda tragédia é uma lástima e lembra-nos, da forma mais dura, o quão somos frágeis e efêmeros. Acontece que quando ela ocorre com pessoas das classes abastadas, como recentemente se deu no vôo 447, cujo avião com 228 passageiros em viagem do Rio para Paris caiu no oceano Atlântico, a mídia transforma o fato em algo terrível, valendo dias de cobertura total e detalhada, elevando ao limite a consternação nacional e mobilizando, conseqüentemente, as autoridades do país inteiro.

Obviamente não estarei aqui minimizando a dor das famílias das vítimas e também a necessidade do devido esclarecimento público sobre o acidente. Mas é preciso perguntar: por que tamanho alarido e tanto envolvimento emocional de massa (é só ir às ruas para se perceber isso) em torno da queda do avião? Ou será que possa existir alguém, incluindo os passageiros e seus familiares, que nunca tenha imaginado a possibilidade de falha técnica de uma máquina sobrevoando há 10 km do nível do mar e numa velocidade de cerca de 500km/h ou mesmo de falha humana dos seus pilotos?

Na verdade, os meios de comunicação de massa não estão nada realmente sensíveis, como aparentam, com a situação desesperadora dos familiares das vítimas, pelo contrário: exploram friamente episódios tristes, como esse, como mais uma oportunidade de sensacionalismo para "vender matérias" e também para manter as massas desviadas e distantes dos assuntos que realmente atingem e afligem diretamente a todos. Essa manipulação do sentimento coletivo serve ainda para transmitir e reforçar a concepção de que as classes abastadas (rica, alta e média), justamente pela sua condição econômica, valem mais do que a classe pobre, aplicando-se essa mesma lógica para os indivíduos que as compõem. É sobre esse último assunto que venho refletir.

A pergunta é: por que as diversas tragédias sofridas pelos pobres diariamente não são tratadas pela mídia com o mesmo teor de importância e gravidade? Essas, inclusive, normalmente sequer são oriundas de fatalidades e sim de fatores político-sociais absolutamente conhecidos por todos, sobretudo, pelas autoridades responsáveis que poderiam perfeitamente evitá-las caso houvesse real interesse.

Ora, essa diferenciação no tratamento da tragédia sofrida pelo pobre e a sofrida pelo rico é claramente de fundo ideológico com alta dosagem fascista: considera-se que a vida do pobre, em diversos aspectos, já é mesmo uma tragédia permanente e inevitável, de modo que uma eventual ocorrência trágica representa nada mais do que mais um infortúnio em sua vida, não carecendo, portanto, de comoção ou preocupação social. Mesmo que tenha todos os ingredientes para o sensacionalismo tão procurado pela mídia, ainda sim, curiosamente, a tragédia sofrida pelo pobre nunca é explorada. Já uma violência ou um desastre, acometido contra o rico, representa uma verdadeira calamidade, um acinte, um absurdo ocorrido contra a sua dignidade humana.

Deste modo é que se vai legalizando e legitimando a existência das estratificações sociais e as injustiças estruturais tão absurdas e desumanas contra os pobres. Essas, sim, provocam as maiores tragédias no país e no mundo. Mas, quem se importa?


Rio, 05/06/09

Rinaldo Martins de Oliveira

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