sexta-feira, 22 de maio de 2009

A CIDADE COMO LUGAR DA CONSTRUÇÃO DA FELICIDADE (na perspectiva de José Comblin)

As reflexões filosóficas feitas sobre a vida na cidade, em sua esmagadora maioria, têm traçado, cada vez mais, uma visão essencialmente negativa desta, identificando, inclusive, os principais problemas que hoje ameaçam o futuro da humanidade (sobretudo na questão do meio ambiente) como inerentes à lógica intrínseca à organização dos homens nos aglomerados urbanos.

Em decorrência dessa conclusão, estabelece-se, quase que como um padrão, o retorno ao campo como a única alternativa para a superação da crise geral provocada pelas cidades. Entende-se que é o campo, como sempre foi no decorrer de todo a história da humanidade, o lugar natural da vivência dos homens e que os grandes aglomerados urbanos só surgiram, no último século XX, por uma questão de imposição do sistema capitalista hegemônico visando a construção e a monopolização do mercado de bens e consumo a partir das massas reunidas.

Na direção contrária a essa análise crítica das cidades está a avaliação do escritor e teólogo da libertação José Comblin, que há 40 anos reflete a vida na cidade com um olhar extremamente positivo, dentro da perspectiva teológica e antropológica que lhe é peculiar. O seu entendimento é que o fenômeno atual da globalização dos aglomerados urbanos faz-se um dos mais fortes “sinais dos tempos” contemporâneos, inclusive resultado da influência histórica libertária do Espírito Santo junto à humanidade. Na sua perspectiva, a cidade, com todos os problemas que nela existem, ainda sim é hoje o lugar privilegiado que os homens dispõem para a construção da sua liberdade integral que é viver a própria liberdade do Reino de Deus.

Em seu último livro sobre o assunto, chamado “Viver na Cidade” (Paulus, 1996) Comblin faz um rico contraponto entre o campo e a cidade observando, nesta última, diversas situações e virtudes que vêm proporcionando aos homens, em vários sentidos, a sua emancipação dos limites e obstáculos culturais, políticos, religiosos, econômicos, etc, enfim, existenciais, da vida tradicional (secular e milenar) no campo. Esse processo de emancipação, apesar de estar ainda na sua fase embrionária, e sofrendo todas as contradições e desvios provocados pelas estruturas de opressão e dominação instaladas, sobretudo, pelo sistema de poder burguês, para o autor, é a dinâmica através do qual todos os homens são chamados a dedicar suas vidas a fim de alcançar o que profundamente procuram: a felicidade.

Enfim, com as poucas palavras aqui expressas em referência à complexidade do pensamento do autor sobre o assunto abordado, já se pode ter a idéia de que José Comblin objetiva - o que é a sua maior especialidade – pôr em suspeita mais esse conceito padrão que tende relacionar a cidade ao caos nos seus diversos aspectos e o campo ou o meio rural como o lugar da felicidade humana, da realização existencial, dos projetos de vida ainda possíveis.

Sabemos que a felicidade está muito além do estilo e forma de vida que se leva em um determinado lugar ou situação territorial. Não está no campo ou na cidade, mas fundamentalmente no interior de cada um. Contudo, a felicidade também não é algo dado mas construído. Para Comblin a cidade urbana oferece os maiores instrumentais para que essa construção da felicidade humana individual e coletiva possa se desenvolver de forma mais livre, ampla e profunda.

Rio de Janeiro, 04 de maio de 2009.

RINALDO MARTINS DE OLIVEIRA

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