domingo, 24 de maio de 2009

SONHO QUE SE SONHA SÓ...

Concordo plenamente com Frei Betto quando diz que o chamado “Socialismo Real” (soviético, alemão, tcheco, etc) sucumbiu na última década de 80 porque ainda que saciando razoavelmente as necessidades materiais da população, como a alimentação, a moradia, a saúde, a educação, o emprego, veio, por outro lado, reprimir as suas necessidades subjetivas, traduzidas no direito ao exercício da criatividade, da diversidade de pensamento, da religiosidade, da liberdade de expressão, etc. De modo que, nestes países, socializou-se as riquezas mas privatizou-se os sonhos, sendo estes acessíveis apenas a uma pequena casta de burocratas do Estado. O suficiente para ter levado as massas ao esgotamento psicológico e a renderem-se facilmente às tentações e “maravilhas” do mundo burguês.

O capitalismo, ao contrário, apesar de todas as crises econômicas por ele geradas e atravessadas, tem sido mais sagaz, sustentando-se no decorrer dos últimos dois séculos justamente porque tem garantido a privatização das riquezas através da socialização dos sonhos. Não é difícil perceber que a única coisa que o sistema capitalista não nega à população é o direito de sonhar. Uma pesquisa do IBGE em 1994 revelou que 85% da população brasileira possuía TV mas apenas 60% possuía geladeira, significando que o povo se “alimenta” mais de imagens do que de comida, mesmo porque comida tem que se pagar caro para tê-la, já para o acesso às imagens basta ligar o botão.

Não é que o sonho não seja necessário e importante. Tanto é que todo um sistema sócio, econômico e político ruiu por causa justamente da negação à coletividade do direito de dar vazão à sua subjetividade. Mas a questão é o que e como sonhar. O capitalismo induz o povo a sonhar permanentemente com uma “realidade” que não existe, e o faz com tanto realismo que acaba convencendo. O filme “Matrix I” expressa inteligentemente esta questão (fiz um artigo a respeito).

Em especial, a ideologia burguesa pretende intensificar ao máximo o sonho do consumo como condição da realização da felicidade humana, de modo que é necessário persuadir a todos que quanto mais se consome e se tem, mais se é feliz (vide a cara de satisfação das modelos nas propagandas comerciais) . Não é por outro motivo que se verifica o espantoso número de frequentadores dos shoppings nos fins-de-semana enquanto os parques florestais estão cada vez menos visitados.

A ilusão do consumo como sinônimo de felicidade se faz a partir da massificação contínua e sistemática de certos valores, nos mais diversos ambientes sociais, que colocam o comportamento individualista como virtude máxima. O ideal da vida burguesa é a busca da auto-suficiência onde o outro não seja necessário senão como objeto de uso e exploração, tornando-se descartável como qualquer outro produto. O objetivo político disto é bem claro: enfraquecer a relação humana e, obviamente, fortalecer a exploração dos dominantes sobre os indivíduos desumanizados, separados e alienados.

O justo e necessário sonho, portanto, é aquele que se sonha coletivamente como Raul dizia. O sonhar coletivo é o oposto do sonho massificado e atomizado que hoje se impõe. Este sempre nos leva à desilusão, à desesperança e ao desespero. Aquele é o que nos permite a conquista de uma vida digna, justa, bela e solidária (e não solitária, como a que se vive hoje) para todos. Qual sonho escolher?

Rinaldo Martins de Oliveira
2004

Um comentário:

  1. Há sonhos (fantasias individualistas, egoístas,etc) e há SONHOS (não-fantasias), que representam expectativas do bem social, da felicidade coletiva, da sociedade justa. Esses são os sonhos que nunca terminam, que constroem, que devem ser alimentados. São sonhos que se sonham juntos. E são sonhos pelos quais devemos lutar sempre ( " é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonhos sempre", como disse o Milton N.).

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