sexta-feira, 22 de maio de 2009

HÁ REALMENTE CRISE DAS ESQUERDAS BRASILEIRAS ?

As análises que tenho lido e ouvido entre os mais diversos pensadores e intelectuais de esquerda, marxistas ou não, sobre as causas da crise política que as esquerdas brasileiras vêm atravessando nestes últimos tempos, giram sempre em torno da tese da “diluição do debate ideológico” no interior das suas organizações políticas. Isto resultando, de um lado, na “traição” e “cooptação” de suas direções (bem como governantes e parlamentares advindos deste meio), e de outro lado, no “abandono” da concepção socialista do mundo e dos instrumentais marxistas de análise da realidade, com a conseqüente “rendição” e “adaptação” à ideologia do neoliberalismo capitalista, em doses disfarçadas ou explicitamente.

Discordo desta tese. Não que não tenha havido no meio das esquerdas, nos últimos anos, em resumo, a substituição radical do programático pelo pragmático, do ideológico pelo fisiológico. Isto é público e notório. As políticas hoje adotadas pelas ditas “esquerdas” são todas rigorosamente centradas nos oportunismos das conjunturas eleitorais, o que ensejou a rápida degeneração política e ética de amplos setores e lideranças que um dia defenderam um modo novo e popular de fazer política no país.

Tenho, contudo, dois entendimentos que explicam minha discordância. Primeiro em relação às “esquerdas” no poder. Avalio que o giro de 180 graus dado por elas, em fartos e vergonhosos exemplos diariamente noticiados na mídia, representa “apenas” o desvelamento das suas concepções elitistas de poder, guardadas cuidadosa e pacientemente por décadas na espera das condições conjunturais favoráveis para que pudessem vir à tona.

Objetivamente, estas condições foram oferecidas a partir de 1989, com a vertiginosa ascensão do “lulismo” na mídia burguesa e do “petismo” no cenário político-institucional nacional, ensejando, desde então, um rápido aumento do número de parlamentares e governantes das “esquerdas”, culminando, alguns anos depois, na eleição e reeleição de Lula à Presidência da República.

Entendo que, nestes tempos atuais, sobretudo com a derrocada do socialismo real e a imposição do “pensamento único”, projetos de poder, já há muito tempo em ebulição, assumiram a cena, de modo que máscaras já não são mais necessárias. Ou seja, as faces que vemos hoje são as verdadeiras faces que estiveram travestidas até então.

Frei Betto, no seu livro “A mosca azul”, que faz uma análise do poder a partir da sua experiência no primeiro governo Lula, afirma que as pessoas não mudam: apenas revelam-se quando estão no poder. De certa forma tem razão. O triste e trágico desta degeneração, entretanto, não são as políticas em si mesmas implementadas por tais novos representantes da burguesia. Estas passarão sem deixar lembranças. O que perdurará, por muito tempo, na mente da atual e, sobretudo, das futuras gerações será a constatação frustrada de que a “história de luta” atribuída às principais figuras que hoje estão no poder não passou de um mero engodo histórico, de uma mentira.

Na minha avaliação, há também um segundo equívoco nas interpretações dos intelectuais ao se tentar explicar a contradição das atuais “esquerdas” no poder pela ótica da flexibilização ideológica sofrida por elas. Entendo que esta argumentação não se sustenta ao se constatar que as próprias esquerdas oposicionistas da atualidade, sem exceção, que se dizem autênticas em suas concepções ideológicas e imunizadas ao “canto da sereia” da burguesia, têm praticado, nos e com os seus meios disponíveis, políticas oportunistas tão iguais e gritantes quanto as cometidas pelas “esquerdas” no poder.

Nisto quero afirmar que a farsa política que hoje predomina no país (e no mundo tomado pelo capitalismo) é generalizada, ou seja, não só gerada pelos que estão no poder das instituições e da burocracia estatal mas também pelas esquerdas oposicionistas que almejam alcançá-lo utilizando-se da mesmíssima lógica pragmática, eleitoreira, cupulista e autoritária de fazer política, ainda que recorrendo a um discurso revestido de “contestação” e de “indignação”, em defesa do “resgate dos fundamentos éticos e ideológicos da esquerda marxista”, etc.

(É bom lembrar que foi justamente esse o mesmo discurso utilizado no passado pelos que hoje estão dominando, contra os desgastados partidos e entidades sindicais tradicionais de “esquerda” no país).

A triste e mais grave conclusão que faço, enfim, em absoluto desacordo com os intelectuais que têm analisado a crise das esquerdas no país, é que, para mim, não há a tão propalada crise das esquerdas. Isto porque simplesmente hoje não há esquerda no país.

O que se verifica, na realidade atual, são diversos segmentos políticos (pessoas, grupos, organismos, entidades, partidos, etc), aliados ou contrários ao governo, sem nenhum projeto, sequer mínimo, voltado para a prática política transformadora no meio popular. Pelo contrário, todos estão rigorosamente atolados no pragmatismo de um jogo político centrado na auto-sobrevivência e na auto-suficiência enquanto agentes políticos institucionalizados.

Para a esquerda governista (a então chamada esquerda light) a velha estratégia da politização e organização das massas, em torno das suas lutas concretas, foi totalmente abolida. Mais ainda: foi também renegada como um anti-serviço ao país e, até mesmo, como um golpismo na medida que configura agora uma ameaça à preciosa estabilidade política do atual governo, auto-intitulado “popular”, ao qual entende-se que todos os movimentos devam estar submetidos.

Para os setores da esquerda opositora - erroneamente intitulada “radical” - o projeto da politização e da ética continua apenas como um discurso teórico vazio de valor. De certo, aplaca frutuosos efeitos midiáticos sobre segmentos mais “progressistas” da classe média urbana no país, uma vez que é a única que polariza com o governo em torno de assuntos ideológicos. Não obstante, isto não reflete numa mínima prática concreta no meio popular.

Neste contexto, o que se observa é que as massas oprimidas e as classes trabalhadoras exploradas estão, mais do que nunca, absolutamente órfãos de uma vanguarda política verdadeira e séria no país, de uma esquerda realmente autêntica que deseje assumir para si o papel histórico de levantar a auto-estima do povo na direção do resgate da sua dignidade humana e enquanto classe trabalhadora.

Não obstante creio que esta situação de crise, não tanto política ou ideológica, mas, sobretudo, “crise de referências”, em que as massas estão vivendo, guarda algo de profundamente positivo: a oportunidade, historicamente inédita, da consolidação, no interior da população, de condições subjetivas - vendo ela afastados e desacreditados todos estes que um dia disseram ser seus líderes e representantes na luta – que lha dêem instrumentais próprios capazes de criar novas formas e frentes de atuação política coletiva e novas lideranças que, a médio e longo prazo, poderão assumir a vanguarda desse processo radical por transformações estruturais no país.

É bom que os atuais setores de “esquerda”, governista ou oposicionista, se atentem, enquanto é tempo, para o fato de que toda essa movimentação revolucionária popular poderá vir a ocorrer, não só em substituição a eles como até mesmo contra eles. Pois, do jeito que estão, certamente serão considerados, pelo tribunal do povo, como traidores e inimigos da classe trabalhadora.

RINALDO MARTINS DE OLIVEIRA – 3/04/07

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