sexta-feira, 22 de maio de 2009

ESQUERDAS: VANGUARDA REVOLUCIONÁRIA OU NOVOS REPRESENTANTES DAS ELITES BURGUESAS ?

Nos meus 25 anos de modesta mas intensa atuação política no movimento estudantil, eclesial, partidário e sindical e de reflexão constante, individual e no meio familiar, sobretudo a respeito de como construir concretamente uma sociedade mais justa e fraterna (reflexão esta que sempre se centrou na rica perspectiva evangélica e, a partir dela, tornou-se profundamente aberta e atenta a outros instrumentais de análise do homem e das estruturas sociais, como o marxismo) pude adquirir apenas uma certeza: a de que sem uma vanguarda intelectual de esquerda realmente comprometida com um profundo e abrangente trabalho de conscientização, politização e organização das e, sobretudo, nas massas populares, nenhuma mudança substancial da realidade social, econômica, cultural e política no país ocorrerá efetivamente.

O que entendo como “vanguarda intelectual de esquerda” ? Esta, no meu entendimento, é bem diferente do conceito de “vanguarda” definido por Lênin cujo propósito foi o de comandar o partido único revolucionário comunista com a pretensão de traçar a linha ideológico-estratégica a que todos os militantes partidários e indivíduos aliados em geral deveriam se submeter para garantir o sucesso da revolução e o seu desdobramento almejado: a sociedade socialista.

Se utilizo-me, entretanto, desse termo leninista, faço-o de propósito por mais se aproximar da idéia que concebo do papel político-estratégico desenvolvido por esses indivíduos, grupos e/ou movimentos que vislumbro como “lideranças” (termo menos apropriado) de um longo processo de transformações protagonizadas pelas massas populares. Faço-o também justamente com a intenção de desapropriar tal palavra do domínio de seus conceitos originários, rejeitando todos os seus aspectos autoritários (aqueles construídos a partir de uma forte influência do autoritarismo iluminista da Revolução Francesa) e enaltecendo os seus aspectos altruístas bem ao “estilo” dos grandes profetas bíblicos nos quais especialmente Marx buscou inspiração, sobretudo, para a sua teoria filosófica.

Para mim, trata-se de definir “vanguarda” como um movimento de pessoas preocupadas em utilizar-se de todo o seu “potencial intelectual” (conhecimento histórico, político, filosófico e pedagógico) não para “conduzir” as massas, ou “dar a linha política”. Também não para conscientizar, politizar ou organizar as massas no sentido impositivo que se aplica na grande maioria das vezes. Se, porém, não coloco aspas nestas três palavras políticas (conscientizar, politizar e organizar) é porque não só confirmo a sua legitimidade como elevo-as ao patamar mais alto do trabalho estratégico da vanguarda, devendo ser, contudo, uma atividade desenvolvida necessariamente no interior das massas, a partir da sua própria realidade, onde não se sustenta a formulação autoritária de vanguarda.

O que a Vanguarda autêntica pode oferecer na sua atuação junto às massas? “Apenas” (não entendendo aqui um reducionismo da sua importância essencial), e rigorosamente apenas, os instrumentais capazes de motivá-las e ajudá-las a formularem, por si mesmas, suas próprias descobertas, armas e caminhos a seguir, tornando-se realmente agentes protagonistas da cena política no país e, quiçá, no mundo, como conclamou os jovens Marx e Engels em seu famoso Manifesto Comunista.

Atente-se, também, para o detalhe da minha insistência em repetir esta palavra “massas”. Transformo-a aqui, de seu comum significado pejorativo, ou seja, de algo que sempre lembra a massa fria e obediente do bolo que cresce e toma forma ao ser manipulada e cozinhada, em um novo significado que a faz adquirir vida, complexidade e autonomia. É justamente nessa massa ou nessas massas populares de indivíduos massacrados, explorados e quase sempre isolados e desorganizados que entendo que a verdadeira Vanguarda deve atuar diretamente, ou seja, para muito além da atuação intermediada pelos ditos movimentos sociais organizados. Pois há um erro grave de avaliação em acreditar que todo o movimento organizado social esteja necessária e privilegiadamente refletindo a ponta de lança dos apelos populares o que, hoje mais do que nunca, está muito longe de ser verdade na maioria esmagadora dos casos.

Entendo que a profunda crise em que estamos sofrendo no país não é aquela crise ética noticiada na mídia provocada por maus políticos, governantes, magistrados, ou seja, as máfias organizadas corruptas e oportunistas. Também não é a crise econômica. A verdadeira crise que realmente abala o povo brasileiro é outra, muito diferente, mais complexa, já crônica, e está fora dos jornais e noticiários: a crise de referências.

As massas sentem que estão sós, mais do que nunca abandonadas pelas pessoas, grupos, partidos, movimentos, instituições, ou qualquer outro ente que lhes pudessem motivar a galgar um pouco de auto-estima, de dignidade humana, de razão para existir, resistir e lutar. Está aí a verdadeira tragédia nacional.

De fato, até há muitas pessoas e organismos que estão no país desenvolvendo suas atividades sociais e políticas, dispondo, muitas vezes, de grandes recursos humanos, materiais e estruturais. Não obstante, todos esses, quase sem exceção, demonstram-se em suas atividades estar preferindo acomodar-se ao status quo, adotando justamente a mesma prática elitista-populista-corporativista que muitos dos seus adeptos denunciaram no período dos anos de chumbo no país.

Está realmente muito difícil encontrar algum setor organizado realizando no país um trabalho popular sério e consistente, ou seja, um projeto de verdadeira vanguarda. O que estamos vendo nos últimos vinte anos é a reprodução exata da velha prática de fazer das massas as mesmas “massas de manobras” de sempre, seja utilizando-as com o mesmo viés estritamente eleitoreiro, seja como objeto de apelo de interesses corporativistas e isolacionistas de pequenos agrupamentos ou instituições. Por isso da necessidade da Vanguarda atuar hoje diretamente com as massas, sem muitos intermediários.

Em resumo: ou ocorre, enquanto é tempo, uma radical guinada de rumo no caminho traçado, nos últimos anos, pelos setores organizados neste país historicamente identificados com o discurso de esquerda e da transformação, redefinindo-se profundamente o seu papel e lugar no processo da revolução popular,ou então podemos afirmar que, aqui e agora, estamos presenciando as sua principais figuras, de pouco a pouco, tomando as rédeas do poder para continuar impondo os interesses dos poderosos no decorrer do próximo século XXI. A vanguarda deve servir para ajudar a impulsionar o processo revolucionária, não o contrário.

Rinaldo Martins de Oliveira
Fevereiro de 2007

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