quinta-feira, 21 de maio de 2009

QUAL FÉ, QUE POLÍTICA ?

Normalmente as discussões sobre fé e política limitam-se a uma análise meramente filosófica dessas duas dimensões humanas. A fé em questão não é a de Jesus mas somente a fé em Jesus; a política não é a prática concreta dentro da realidade conjuntural mas simplesmente a teoria que se defende, ainda que repleta de boas intenções e idealismos.

Quando é assim, o reconhecimento da relação entre fé e política acaba por manter-se relativizado, ou seja, aceita-se a sua interligação até o momento em que uma não interfira no “modus operandi” da outra. A partir daí, fé e política se distanciam possuindo suas próprias razões e dinâmicas, devendo ser exercidas com a autonomia que supostamente lhes é intrínseca.

Por conta dessa tendência, falar genericamente de “fé e política” não basta para se garantir uma reflexão profunda e conseqüente. É preciso, antes, definir qual fé e que política realmente estão em avaliação.

A aceitação de Jesus Cristo como responsável pela redenção dos homens e da humanidade é importante na medida em que leve à reflexão da fé do Jesus histórico como centro referencial. Caso contrário a fé acaba por limitar-se a um assunto íntimo e privado de cada indivíduo e que, como tal, não pode ser posto em avaliação crítica senão pelo seu próprio detentor.

Por sua vez, a construção ideológica de um projeto para o qual se disputa o poder político sobre as organizações humanas deve conduzir à reflexão da prática concreta (tática) que se desenvolve em cada contexto histórico que se está inserido. Do contrário, a discussão sobre política não sairá do nível do abstracionismo permitindo, na prática, que cada agente político exerça suas ações de forma a atender o seu próprio juízo, minimizando e condicionando, ao calor de cada conjuntura, a observância dos princípios e valores humanos que, no entanto, são universais e atemporais.

Somente o modo centrado na práxis de Jesus é que garante a abertura para uma reflexão concreta e bem enfocada sobre fé e política. Pois aqui torna-se necessário confrontar a Sua fé e a correlata prática com a nossa fé e prática, devendo esse método dialético suscitar-nos uma exigente e permanente autocrítica, o que não ocorre quando a abordagem da questão é meramente filosófica.

Os Evangelhos deixam muito explícito que a fé de Jesus era toda calcada em torno do conceito, por Ele mesmo cunhado, do “Reino de Deus”. Não apenas o Reino de Deus que está por vir (o Paraíso), mas sobretudo o mesmo Reino de Deus que já está presente entre os homens na sua realidade terrenal, ainda que em estado de germinação.

É a convicção profunda dessa verdade que leva Jesus a dedicar todos os seus cuidados e energias em defesa dos discriminados/excluídos na sociedade de sua época. A sua lógica era simples e objetiva: se o Reino não é apenas uma promessa futura mas se oferece aos homens já nessa realidade presente, então não é admissível que alguns indivíduos, cheios de si, tentem impedir a sua implementação provocando uma situação social contrária aos desígnios de Deus.

Aliás, a radicalidade de algumas figuras que passaram por aqui, como Che Guevara, Gandhi, Zumbi, Zapata, D. Oscar Romero e muitos outros, contra os poderosos do seu tempo, ao ponto de abrirem mão da sua própria vida pela causa da Justiça, só se pode explicar a partir da mesma fé radical que impulsionou Jesus: fé na possibilidade real de uma co-existência humana já aqui na própria Terra, livre das estruturas que causam a opressão, a injustiça, o sofrimento e a morte antes do tempo (a denominada fé antropológica cunhada pelo saudoso teólogo católico J. L. Segundo).

É a partir dessa forte convicção de que o Reino de Deus já está em processo de realização que Jesus tem e traça sua tática e estratégia política. Escolhe os líderes religiosos e não o império romano (ao contrário do que fazem os grupos zelotes - insurgentes armados do seu tempo) como o seu alvo central de ataque e denúncia, em defesa dos pobres, marginalizados e oprimidos.

Na verdade, Jesus decide por essa via não porque queria se ater às "discussões religiosas", mas movido por uma compreensão ampla e profunda da conjuntura vivida naquele momento. Obviamente, a construção do Reino de Deus na Terra passava também pela ruptura do regime opressivo imposto pelos romanos (p.ex. Jesus chama Herodes de “raposa”, cf. Lc 13,32-33). Não obstante, efetivamente não eram os romanos e seus governos, ainda que muito violentos, os principais agentes propagadores, à consciência das massas, dos valores contrários aos do Reino de Deus, mas sim os líderes religiosos. Eram principalmente esses "representantes de Deus" que ameaçavam a implementação do Reino junto ao povo de Israel.

Observa-se que é esse o critério utilizado por Jesus na escolha de suas táticas políticas: centrar-se rigorosamente na estratégia da defesa intransigente dos valores humanos inerentes ao Reino de Deus. Oportuno aqui atentar que Jesus não coloca, nesse bojo, a preocupação - que era predominante entre os seus contemporâneos - com a restauração da monarquia davídica, ainda que em momento nenhum demonstre discordância dessa forte idéia fixa do povo. Pelo contrário, aproveita-se dela em diversos momentos para transmitir a sua mensagem do Reino de Deus.

Para Jesus o mais importante não é a instauração de um sistema político de poder ainda que o mais “perfeito”. A sua mensagem é especifica: Amar ao próximo que, para Ele, representa paradoxalmente, amar aquele mais “distante”, o marginalizado e excluído da sociedade. Também o inimigo é tido, por Jesus, como o próximo a quem se deve amar. O perdão, no caso, faz-se a maior expressão desse amor.

Percebe-se claramente que sua preocupação está toda em colocar os valores da fraternidade, que se aplicam a cada situação humana, na frente de qualquer projeto, ideologia ou sistema de poder. Essa é sua grande novidade. Obviamente, Jesus não nega importância às formas específicas de organização humana tanto que combate a estrutura teocentrica autoritária controlada pelos religiosos. Para Jesus, as estruturas, para se tornarem legitimas, devem existir submetidas e orientadas pelos valores do Reino (“Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”).

Enfim, Jesus resume, com muita sabedoria, todo o seu projeto e práxis nessa frase: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e tudo o mais virá por acréscimo” (Mt 6,33).

É claro que Jesus foi tentado a se afastar do projeto do Reino de Deus. A pressão vinha de pessoas, de fatos, de situações, do sistema, do demônio, etc. Todos tentavam levá-lo por outros caminhos. Mas foi a clareza e fidelidade em relação aos princípios do Reino que o manteve firme, sem medo de provocar conflitos, nem com as autoridades, nem com o povo, nem mesmo com as pessoas mais queridas. Os que tentaram desviá-lo do caminho receberam respostas duras e reações inesperadas, pois seu princípio político sempre foi o voltado para defender os valores do Reino como centro de tudo.
*
Tendo como referencial essa fé e prática política de Jesus, centrada no seu conceito de Reino de Deus, é que devemos questionar:

a) até que ponto a nossa fé cristã e prática política têm sido baseadas realmente na defesa dos valores do Reino de Deus?

b) para dar um exemplo concreto: até que ponto a política de alianças que os cristãos militantes mais engajados vêm implementando no nosso país e no mundo tem sido realmente coerente com a defesa desses valores do Reino?

c) afinal, que tipo de tática política Jesus adotaria na atual conjuntura histórica? Faria aliança com os grupos políticos ou com o “povão”?

Saudações Cristãs,

12/12/08
RINALDO MARTINS DE OLIVEIRA

Nenhum comentário:

Postar um comentário