quinta-feira, 21 de maio de 2009

JEREMIAS E OS FALSOS PROFETAS DE ONTEM E DE HOJE

A Bíblia hebraico-judaico-cristã é uma coletânea de livros sagrados não, como muitos equivocadamente acreditam, porque foram ditados diretamente por Deus, de forma “mediúnica” (como dizem), aos seus autores. Mas porque esses, através da atenta observação da sua própria realidade local (cultural, social, política, econômica, etc), utilizando-se dos seus referenciais e instrumentais analíticos, puderam chegar a perceber nos fatos algo muito além das aparências: a voz e a firme presença de Deus atuando no coração de algumas pessoas, sobretudo os denominados Profetas (que em diversos casos eram os próprios autores).

Conforme relatam os principais Livros bíblicos, os profetas puderam questionar e transformar, ainda em vida ou em decorrência do legado deixado, situações que as demais pessoas e os povos imaginavam serem “normais”, eternas ou impossíveis de serem mudadas, estando justamente aí o centro da sua autoridade divina.

Não obstante, na Bíblia há também os falsos profetas: aqueles que dizem falar “em nome de Deus” quando, na verdade, falam em seu próprio nome, ou melhor, em defesa de interesses que não são de Deus. São esses os agentes mais perigosos, que infiltram no povo falsas esperanças e falsos valores e acabam por confundi-lo e desviá-lo do caminho correto, tornando-o presa fácil nas mãos dos seus dominantes.

É contra esses falsos profetas - alguns advindos do próprio povo, outros, das elites - que os verdadeiros profetas da Bíblia sempre direcionam a sua ira e crítica dedicando toda a sua vida a isso.

Particularmente, o Livro do profeta Jeremias tem registrado no cap. 23, 9-23, talvez, a mais dura denúncia contra os falsos profetas, abundantes no seu tempo. Essa passagem certamente inspirou Jesus a fazer o mesmo, 600 anos depois, em atitudes e palavras tão fortes quanto, contra os fariseus e doutores da lei (“raças de víbora”, “sepulcros caiados”, etc...) que eram os representantes religiosos oficiais da sua época.

Trata-se, para Jeremias, de desbancar aqueles lideres de Israel que conclamavam o povo a reagir à dominação do império babilônico com a explicação de que Deus assim o desejava, uma vez que o seu suposto desígnio seria a restauração do regime monárquico de Davi e da estrutura religiosa em torno do Templo de Jerusalém. “Pofetizavam” os profetas locais, menos Jeremias, que seria aquela uma realidade iminente (“coisa de dois anos”, Jr 28, 3-4) bastando apenas alguma resistência e paciência.

No lugar de incitar a resistência à Babilônia, Jeremias, curiosamente, conclama o povo ao contrário, à submissão. Chega até mesmo a exagerar para convencê-lo dizendo que o império Babilônico seria enviado por Deus! Obviamente essa postura não representava um adesionismo ao povo caldeu (da Babilônia), como Jeremias acabou sendo acusado apesar de vários dos seus oráculos também preverem o fim aterrador de Babilônia e de todos os outros impérios inimigos de Israel.

Na verdade, Jeremias percebe que esse império que, no momento, dominava Israel não cairia assim tão facilmente como previsto pelos falsos profetas. Era preciso não sucumbir à idéia suicida de achar ser possível desafiar e vencer o exército Babilônico - simplesmente o maior exército do mundo naquele tempo – pelo entendimento de que Deus estaria do lado de Israel porque a “sua causa era justa”.

Jeremias não desconhece que, em diversos outros momentos, o povo de Israel - o povo escolhido por Deus - conseguiu superar e vencer batalhas tão difíceis e impossíveis quanto aquela sugerida pelos falsos profetas. Para ele, Javé continuava sendo o mesmo Deus de sempre, protetor do seu povo. Só que desta vez a causa é que não era justa: a restauração da monarquia e da religião oficial.

Após muito conflito interno e reflexão, Jeremias entendeu que não era isto o que realmente Deus desejava para o seu povo. Essa fase histórica já havia se esgotado. No fundo, retomar o sistema do passado seria não uma superação daquela situação opressora sofrida, mas apenas o retrocesso às frágeis, desgastadas e fechadas estruturas políticas e culturais produzidas a partir da cristalização de falsos valores. Afinal, era justamente aquele sistema que acabara por afastar de Deus o povo de Israel, produzindo o seu atual estado de fraqueza, terra fértil para a dominação da Babilônia, do Egito e de outros tantos impérios estrangeiros.

Mas não deram ouvidos ao profeta (pelo contrário, jogaram-no num poço imundo para morrer, cf. Jr 38, 1-6) e sim aos falsos profetas que prometiam facilidades. Resultado: em face à fraca resistência do povo israelita ao exército Babilônico, em poucos meses toda a Jerusalém, capital de Israel, foi devastada. Inclusive o Templo foi derrubado e inúmeros homens, mulheres e crianças foram exilados bem como outros tantos trucidados e mortos como retrata de forma chocante o Livro das Lamentações.

Deste modo, Babilônia prosseguiu por mais décadas de dominação. Nesta altura dos acontecimentos, todos os líderes e os falsos profetas ou foram presos e mortos ou absolutamente desacreditados pela população. Mas Jeremias não. Sobreviveu e viveu ainda o tempo suficiente para poder anunciar à Israel que aquela tragédia de alguma forma anunciava novos tempos.

Deus continuava junto do seu povo só que propondo um novo caminho, livre das amarras do passado. Para Jeremias já estava muito claro o que Deus esperava: não mais a observância cega de regras religiosas esvaziadas do seu significado e valor verdadeiros e profundos, mas sim a observância radical da Justiça.

A prática da Justiça deveria, dali para frente, ser o centro legitimador da religião e da política do povo de Israel. O culto a Deus não poderia mais se bastar em si mesmo. O exercício e a busca da Justiça é que levaria efetivamente o povo de Israel a retomar a luta por libertação do jugo estrangeiro.

*

Dito isto, agora podemos fazer uma ponte dessa história, ocorrida há 2.600 anos, aos nossos dias atuais, perguntando:

1) Quem são o atuais falsos profetas no nosso país e no mundo?

2) Quem são os que têm vendido vãs promessas e facilidades ao povo em nome de uma suposta “causa justa”?

3) Que “causa justa” é essa que defendem se, na prática, alimentam e reproduzem a velha estrutura de poder e dominação cultural e política que submete há séculos as massas à miséria, à passividade e à eterna dependência das benesses dos seus tutores?

4) Como esses falsos profetas têm conseguido iludir o povo, passando-se por autênticos?

5) Onde estão os verdadeiros profetas de hoje? Como têm denunciado esses impostores?


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SEGUEM ALGUMAS PASSAGENS IMPRESSIONANTES DO
“Opúsculo contra falsos profesta” (Jr 23, 9-33).

Acerca dos profetas: O meu coração está quebrantado, todos os meus ossos estremecem, estou como o embriagado por causa do Senhor e das suas santas palavras. Porque a terra está cheia de adúlteros. Estão todos contaminados, tanto os profetas como os sacerdotes - até na minha casa achei sua maldade, diz o Senhor.

Portanto, o caminho deles será escorregadio e escuro; serão empurrados e cairão nele. Nos profetas da Samaria bem vi eu sua loucura; profetizavam em nome do demônio e faziam errar meu povo. Mas nos profetas da capital vejo coisa horrenda - cometem adultérios, andam com falsidades e fortalecem as mãos dos malfeitores.

Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvidos às palavras dos profetas que entre vós profetizam e vos enchem de vãs esperanças; falam das visões dos seus corações e não do que vem da boca do Senhor.

Não mandei estes profetas (diz o Senhor), eles vieram correndo. Não lhes falei nada, eles profetizam por sua conta!

Acaso sou Deus apenas de perto e não enxergo longe? Ocultar-se-á alguém em esconderijos imaginando que não os alcance?, disse o Senhor.

Sou contra estes profetas que furtam (o significado) de minhas palavras. Sou contra estes que profetizam sonhos mentirosos e os contam. Sou contra os que propalam mentiras e fazem vagar meu povo. Eu não os enviei, não lhes dei ordem alguma. Nenhum proveito trazem ao povo, disse o Senhor.

Não torçais minha palavra, diz o Senhor. Eu vos arrojarei de minha presença, porei sobre vós perpétuo opróbrio e eterna vergonha que jamais serão esquecidos.

Quando o povo, profeta ou sacerdote, perguntar: "Qual é a pesada sentença do senhor"?, respondereis: "Vós sois o peso". Quanto ao povo, profeta e sacerdote que disser: "Sentença pesada do Senhor" - a este homem castigarei. Nunca façais menção à "sentença pesado do Senhor" - porque a cada um lhe servirá de sentença pesada a própria palavra. Não torçais minha palavra, diz o Senhor. Eu vos arrojarei de minha presença, porei sobre vós perpétuo opróbrio e eterna vergonha que jamais serão esquecidos.

JR 23, 9 -32.

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