quinta-feira, 21 de maio de 2009

A PESTE EMOCIONAL

Considero Wilhelm Reich - o pai da chamada terapia reichiana - mais do que um grande psiquiatra: talvez o pensador que mais pesquisou a alma humana no século XX.

Com o seu conceito da “peste emocional” desenvolvido no livro Assassinato de Cristo, escrito em 1947, pela primeira vez, Reich propôs detectar, através da análise do comportamento humano agressivo frente à “energia vital” (o que ele denominou no livro como “Vida Viva”, configurada na pessoa de Cristo), os elementos primários geradores do mal da humanidade e instauradores dos megasistemas de poder pelos quais este mal humano viria a se propagar nas sociedades.

Reich defende a tese de que os seres humanos sofrem, desde os primórdios da sua existência, uma rigidez muscular crônica herdada e intensificada de geração em geração, resultando na grave obstrução da circulação no corpo de energias biófilas (relativas ao impulso à vida, na expressão do psico-sociólogo Eric Fromm).

A “peste emocional” consiste numa espécie de vírus que, impertinente e impiedoso, atinge os organismos vulneráveis tornando-os não só ainda mais incapazes de sentir e usufruir a energia vital (qual Reich depois veio denominar “orgone”), como também responsáveis por engendrar no subconsciente e inconsciente humano percepções, sentimentos e valores necrófilos (relativos ao impulso à morte), atingindo, por fim, o âmago do caráter.

A dimensão revolucionária dessa tese de Reich (resultando-lhe em cruéis perseguições pelos fascistas, comunistas e capitalistas da época) está na afirmação de que os males encontrados em grande escala nas sociedades não são frutos dos sistemas de poder mas, antes, conseqüência do próprio caráter neurótico das massas humanas.

Para Reich, o escravismo, o totalitarismo, o fascismo, o nazismo, o capitalismo e todos os outros “ismos” que no decorrer da história vêm tirando a vida de milhões e milhões, no fundo, paradoxalmente, não passam de aberrações criadas pelas próprias massas humanas. De acordo com sua tese, Jesus não foi morto pelo poder religioso (farisaísmo) e político (cesarismo) da sua época. Seus detentores foram apenas executores da vontade deliberada das massas humanas que, no decorrer dos séculos, vêm criando e recriando carrascos e monstros como Hitler, Nero, Gengis Kan, Bush, preparados para dizimarem quantos “Cristos” forem necessários a fim de que se preserve intacto o culto coletivo à morte e à barbárie.

O caráter dos homens é que, portanto, para Wilhelm Reich, deve ser radicalmente transformado, sem o que a humanidade continuará padecendo na expectativa vã de que um líder ou um “ismo” qualquer venha lhe salvar e lhe trazer novamente à Vida.

Os homens de boa vontade – para Reich estes existem apesar de também serem afetados pela peste emocional – serão os responsáveis pelos primeiros passos fundamentais rumo à ruptura deste mal enraizado e do resgate da energia vital que, apesar de reprimida, continua guardada no interior dos homens (sobretudo no das crianças) e no cosmos, na espera de ser ativada e potencializada por cada um, livremente, como Cristo o fez plenamente.

Na sua visão, para podermos entender a sociedade e seus mecanismos estruturais de poder, atuar no sentido da derrubada do atual sistema dominante e implementar um novo sistema mais humano, será necessário aos homens de boa vontade debruçarem-se com firmeza no mundo do interior bio-psíquico, ou seja, na análise do seu Caráter. Deverão descobrir através de quais mecanismos sutis os nossos organismos se mantêm incapazes de se abrir à circulação das energias vitais, criando, com isso, tensões e neuroses que implodem no corpo em doenças e explodem na sociedade em violência generalizada e institucionalizada.

Para Reich, só com este pleno conhecimento do caráter individual e coletivo e com o adequado tratamento da desobstrução energética do corpo, seremos capazes de seguir em direção à verdadeira revolução integral da humanidade. Esta ocorrerá em profunda sintonia com os impulsos à Vida inerentes no organismo humano e no cosmos.

Wilhelm Reich, ainda hoje muito pouco (re)conhecido, foi esse grande pensador e idealista, tentando, ao final da sua vida, capturar a energia vital “orgone”, através da invenção de uma máquina, o que lhe resultou em cassação do seu registro de médico e em prisão. No cárcere, mal-tratado e doente, meses depois veio a falecer. Foi ele mesmo, no final, mais uma das vítimas da fúria da peste emocional contra a qual lutou incansavelmente.


Rinaldo Martins de Oliveira
ABRIL 2006

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